Dificilmente se pode sentir um Portugal fechado nas suas fronteiras físicas, as mesmas quase há mil anos. Sente-se, queira-se ou não, um Portugal sempre a sonhar com o mundo ou virado para ele, ou ambas as coisas. Nunca se fechou, tanto no sonho como na vontade! Reis e presidentes, poetas e escritores dão-nos esta dimensão de um Portugal que não cabe no rectângulo europeu, apenas seu ponto de partida e de chegada, seu regaço.
Daí os Portugueses terem sido autores da primeira globalização e estarem hoje em todas as sete partidas, com nomes e sangue a correr nas veias de americanos, de asiáticos, de africanos e de outros europeus também. Parece que nunca nos sentimos bem onde estamos e por isso estamos, na actualidade, nesta nova era de globalização, espalhados por todos os cantos… E a História também nos diz que os portugueses sempre souberam adaptar-se não só aos locais para onde foram, mas também às suas circunstâncias e especificidades.
Não me sinto qualificada para assentar em dados objectivos o que vou dizer a seguir, mas creio e sinto, dentro de mim, que é assim. Creio que somos, nós portugueses, uma espécie de fermento destinado a levedar o mundo. Quando olho para trás na História é o que vejo, essa ânsia de melhor, de mais, de acima, por um processo de tentativa e erro, de sofrimento nosso e de outros muitos, quantas vezes. Também vejo que nunca soubemos bem tirar partido das riquezas materiais à disposição, ficando-nos quanto a esse aspecto, nos patamares inferiores de um tempo felizmente concluído. Somos fermento, levedamos. Com isso fizemos e fazemos a nossa parte. E vamos continuar a fazê-la, porque o destino de um Povo não muda com regimes, governos e presidentes. Limita-se a sê-lo. Sem tempo.
O papel de Portugal neste começo de século consiste, quanto a mim, em reactualizar os seus mapas de navegação, afinar os seus astrolábios e meios de ver mais longe, do alto das gáveas dos seus novos navios e fazer-se à aventura de novas Índias e novas Américas. Precisamos, é verdade, de alguém que nos faça acreditar que é possível. Mas não esqueçamos que, boa parte das tripulações dos navios das Descobertas, era de gente que nunca tinha visto mar… Mais importante ainda: quem estiver atento verá que já temos alguns capitães a navegar nesses novos oceanos, que são agora os da inteligência e da imaginação, assente no esforço, na prática e na perseverança. Pela primeira vez desde há séculos, Portugal exporta mais tecnologia do que importa.
As novas gerações nascidas fora das fronteiras portuguesas, devem saber que Portugal cresceu, se desenvolveu, aliou tradição a modernidade. Por exemplo, está na linha da frente da Medicina, temos dos melhores cuidados de saúde na Europa, temos investigação e desenvolvimento de novos fármacos e tratamentos em empresas nacionais, temos cientistas que apresentam investigação básica (na área do tratamento do cancro por exemplo), no Porto há um centro de referência para todo o mundo.
Tudo isto é exemplo de que na era da globalização todos podemos aprender com todos desde que estejamos abertos para comunicar e estabelecer contactos de partilha. Algo que os portugueses sabem fazer e muito bem.
Se não vos esgotei a paciência, passo agora do geral para o particular, dos portugueses e do mundo para mim e para a Venezuela, enquanto a palavra SAUDADE, única e exclusiva no seu significado, continua a vibrar nesta sala, porque está sempre presente no dia a dia de um português.
Porque vim até à Venezuela?
Pertenço aos quadros da P, uma empresa farmacêutica norte-americana. Inicialmente, neste projecto, estive 3 meses em Marrocos e Tunísia. Depois chegou o convite para a Venezuela. Precisavam de alguém que viesse por 8 meses coordenar um grupo de trabalho de investigação clínica. Afinal, acabarei por ficar por cá um pouco mais, cerca de 2 anos. Depois, outras portas se abrirão, certamente.
Porquê eu?
Porque tenho 20 anos de experiência profissional, falo 4 idiomas, conheço os procedimentos e as leis internacionais, leis que são as mesmas para qualquer empresa farmacêutica. E pela experiência de trabalhar 10 anos directamente com Espanha. Para que pudesse partilhar a experiência da Europa com os grupos de trabalho da Venezuela e de outros países Latino-Americanos.
Porque tem sido importante?
Para mim porque tive contactos extraordinários com a realidade venezuelana, dos hospitais/clínicas privados aos hospitais públicos, aos representantes do ministério, à comunidade médica (curioso que só conheci 2 médicos luso-descendentes). Na P. 1/3 das pessoas tem apelidos portugueses e acercaram-se de mim logo no primeiro instante. O contacto com uma realidade tão diferente da Europa enriqueceu-me grandemente como pessoa e como profissional. Vai permitir-me estar mais preparada para outros desafios em qualquer outro lugar e ou país. Dei à Venezuela tudo o que trazia, em conhecimento, trabalho e empenho. Sinto que fui um grão de fermento nesta terra.
O que tem a Venezuela de distinto?
Desde o primeiro momento que me senti acolhida como se estivesse em casa. Pelos membros da comunidade portuguesa, é certo e de certo modo esperava esse carinho e esse abraço. Mas também fui muito bem recebida pelos que não são de origem portuguesa. E isto porque, percebi-o depressa, a nossa comunidade é conhecida como sendo constituída por gente de bem e é reconhecida pela sua influência e o seu contributo na sociedade venezuelana.
Por isso, termino com uma pergunta:
Não se sentem aqui como fazendo parte do fermento que nós, portugueses, somos no mundo?
E devido aquilo que acabo de ouvir dos outros oradores com uma frase de Pessoa: A minha pátria é a minha lingua.
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9 comentários:
Oh Maria ...que belo discurso. Quanta inspiração ... Um verdadeiro orgulho. Quando o leres aos teus pais ... vão rolar lágrimas.
Um forte aplauso.
no mínimo carreira política!!!
Um destes dias ainda há-de aplicar o que andou a estudar ... num qualquer autarquia da Venezuela
Maria João: Os meus sinceros parabéns.Gostei.
JO
Clap! Clap! Muito bem!
Agora, por momentos regressei a 1987 e aos 10 meses que passei nos EUA embrenhado na comunidade portuguesa de New Bedford, tal e qual, sem tirar nem por. O Jorge Ventura faz transporte de barcos, o mundo inteiro é a sua casa e o meio de subsistencia. Um dia chegou ao...Chile (acho) e num lugar remoto, alguem disse que nas montanhas num sitio ainda mais inacessivel vivia um Português, que tinha chegado a algum tempo de barco e que por ali tinha ficado. O Jorge, que tinha uns dias livres, disse ao resto da tripulação que ia visitar o "Português" e isso intrigou o Americano, que fazia parte dessa tripulação,ainda mais quando se encontraram todos e os dois portugueses se cumprimentaram efusivamente. O Americano teve que perguntar....mas....já se conheciam? são da mesma familia? não, são apenas dois portugueses no fim do mundo.
Obrigada minha gente!
Realmente foi bastante optimista mas é o discurso possível de quem está fora há mais de um e já a rebentar de saudades!
Atendendo que a populaçao alvo também era muito especifica. Imigrantes e suas descendencias que mal conhecem o país. Foram lá uma vez ou duas e só conhecem a aldeia e o aeroporto! (ou no caso daqui que só conhecem a Madeira nem sabem onde fica Lisboa).
Já tinha passado por aqui, li o discurso, fiquei impressionado e fiz "copy past" para o meu Word para ler com calma.
Muitíssimo bom, leitanita !
Porque será que "aqui dentro" não damos o devido valor ao que temos, nosso, de bom por esse mundo fora e também cá dentro ?
É curioso que a visão do nosso país por parte de quem está fora é substancialmente diferente da dos que por cá permanecem ?...
Ao longo da minha vida profissional, estive fora muitíssimas vezes (nunca por mais de uma ou 2 semanas) mas dava para sentir a falta de "qualquer coisa" e a vontade de regressar era sempre enorme !
Parabéns, leitanita !
.
Ah Rui já me tinha interrogado que mal te teria feito para desapareceres...
É bem verdade já levo 14 meses vivendo por aqui e estou desatinada com isto. Morrendo de saudades. E eu sei que visto de fora tudo parece mais lindo mais poético... e que as coisas estao feias.
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